Alinhamento e união de integrantes da cadeia audiovisual é essencial, na opinião de especialistas, assim como investimentos em cibersegurança, formação de equipes e contratação de profissionais com capacidade de investigação; marca d’água é indicada para combater furto de sinal pós-HDMI
Por Gabriel Cortez,
Jornalista do conselho editorial do Top C-Level
O painel “Monetização: Impactos da pirataria e formatos para mitigar perdas” reuniu executivos da indústria de mídia e entretenimento com o objetivo de dialogar e apresentar soluções para o combate à pirataria. O webinar integrou a programação do terceiro dia do Top C-Level Talks Especial, realizado em 27, 28 e 29 de outubro de 2021.
Estima-se que o setor audiovisual deixou de faturar R$ 15 bilhões – e mais de R$ 2 bilhões em arrecadação de impostos – em 2020 devido à ação de piratas.
“Todos os elos da cadeia precisam estar alinhados nesse combate. Um terço dos acessos hoje são piratas. Quando a gente reclama que a TV por assinatura vem caindo, que [a base de assinantes] já foi de 20 milhões e agora está em 13 milhões, a pirataria é uma das culpadas. Tem várias associações fazendo um trabalho muito bom nesse combate, mas seria necessário unir os esforços”, afirmou o moderador do painel, Alexandre Britto, CEO da ABX Consulting e presidente da Associação Brasileira de OTT’s (Abott’s).
Participaram da sessão os executivos Fábio Damásio, diretor comercial da Singular CDN; Danilo Almeida, diretor de integração de sistemas da Nagra para a América Latina; e Edmar Moraes, diretor de novos negócios da Abott’s e executivo da SES.
Marca D’água como solução para furto de sinal pós-HDMI
A forma mais comum e crescente de se aplicar a pirataria, de acordo com Danilo Almeida, da Nagra, é o roubo de sinal após o HDMI, isto é, após a desencriptação do vídeo, seja via broadcast ou via streaming. “Roubando lá na frente, significa que o pirata rouba após o túnel, na última milha, o chamado furto pós-HDMI”, frisou.
A ferramenta técnica mais indicada para resolver esse tipo de problema, em sua opinião, é a marca d’água. “Ela pode ser feita de forma visual, em vídeo ou em áudio. É importante você saber quem está vazando o seu sinal. Quando a tecnologia está super bem afinada, ela consegue identificar o site pirata, o aplicativo pirata e te mostrar onde está o vazamento, mas os ‘fontes’ [piratas] nunca roubam sinal de um lugar só”, considerou.
“Se a marca da água não for inserida em todas as cadeias, não funciona. É preciso colocar níveis de finger print, de water marking; DRM é importante ainda, fechar o túnel é importante”, complementou Edmar Moraes.
Monitoramento e interação em tela por usuário para streaming
As transmissões via streaming também têm sido alvo de diversos tipos de ataques piratas, desde roubo de sinal na entrada e roubo de sinal na parte de transcodificação, já mais próximo ao usuário, lembrou Fábio Damásio, da Singular CDN. “São segundos para que a pirataria aconteça. Se tivermos uma falha de segurança na parte de tokenização com um cliente, o conteúdo se espalha. É tudo muito rápido.”
Em janeiro de 2021, a Singular CDN lançou a plataforma Spalla, uma solução de streaming que possibilita monitorar e modificar em tempo real a estrutura de transmissão de apenas um usuário. “A ideia é comandar o processo do início ao fim, com segurança, individualmente. Na parte do player, a gente consegue oferecer a possibilidade de live commerce e de interação durante o evento, sem precisar de um QR Code, além de tokenização em tela, individual, e inserção de marca d’água. Assim, conseguimos identificar e derrubar o sinal do pirata. Se verificamos que aumentou o tráfego de maneira incomum de um usuário, é possível identificar e checar na base de dados”, comentou.
“A resposta dos hackers às ações tecnológicas e legais de combate à pirataria é muito rápida. Um dos maiores OTTs do Brasil hoje é pirata e, quando conseguimos derrubar judicialmente, eles voltam a partir de outra fonte. O que a gente pode fazer é garantir um esforço máximo para que o conteúdo seja protegido. Com tecnologias como marca d’água, DRM e Multi-DRM, tolkenização, já se consegue uma boa filtragem”, acrescentou Damásio.
Laboratórios e investigação aliados à tecnologia
Danilo Almeida, da Nagra, reforçou a importância de aliar ferramentas de investigação às ferramentas tecnológicas de combate à pirataria. A empresa do grupo Kudelski, com sede na Suíça, conta com laboratórios dedicados à investigação no Brasil, nos Estados Unidos e na Espanha. “Nós acompanhamos todas as tecnologias de distribuição e de captação de vídeo utilizadas pelos piratas e oferecemos serviços de monitoramento ativo”, explicou.
“A criptografia e a segurança são o core do trabalho da Nagra, desde o controle de acesso condicional, DRM de controle proprietário para hardware Root of Trust (RoT), um nível mais avançado de segurança, e multi-DRM, que é um sistema que gerencia DRMs de mercado. Mas, todas essas ferramentas tecnológicas, mesmo você encriptando de ponta a ponta, não são suficientes. Dentro dos laboratórios, nós fazemos um trabalho muito forte de investigação, coletamos evidências e enviamos para as associações fazerem o trabalho jurídico”, detalhou Almeida.
Perfil dos profissionais e ações legais possíveis
As ações legais de combate à pirataria no Brasil precisam passar por análise e aprovação do Ministério da Justiça, lembrou Danilo Almeida, “seja para você ir lá na porta do pirata e fazer o tear down da operação, quando se tem a certeza de que há um headend pirata ali, seja para o bloqueio de IP ou para o bloqueio de domínio do site, o bloqueio de DNS. A única coisa que tem sido possível fazer sem precisar de aprovação do ministério é a remoção dos aplicativos das lojas concentradoras de apps, mas também é um serviço que exige uma equipe especializada”.
O perfil de profissionais contratados pelas empresas de mídia e entretenimento tem se modificado nos últimos anos, segundo ele, e companhias que há uma década contratavam apenas engenheiros, hoje, investem também em investigadores e profissionais do mercado de cibersegurança.
Saber como os piratas se organizam, monetizam e se preparam é fundamental, em sua visão. “Não é uma estrutura simples, de garagem. Existem especializações, pessoas que só trabalham roubando sinal, pessoas que só trabalham condensando esse sinal e pessoas que vendem o front-end de sites e apps.”
Ação conjunta e syndication
Edmar Moraes, da SES, reforçou a importância de haver ações sincronizadas no combate aos piratas. “Há muitos interesses em jogo. Temos provedores de tecnologia e criptografia, provedores de processamento de vídeo, diversos provedores de user interface, centenas de provedores de players, dezenas de CDN e centenas de produtores de conteúdo. Tudo isso, consequentemente, para proteger um conteúdo que será roubado e não gerará receita a toda essa cadeia.”
O conceito de syndication é defendido por Moraes, ou seja, a ideia de que um grupo de pessoas dê nome a uma associação e reúna os experts de cada companhia e de cada setor do mercado, com ações no que tange à educação, à tecnologia e às leis.
“Em um determinado momento, isso também precisa ser associado a contramedidas. Os piratas vão continuar avançando e a indústria precisa tomar uma atitude. A Abott’s, por exemplo, pode ser esse ente. Não queremos reinventar a roda no combate a pirataria, mas é preciso haver essas ações sincronizadas. Não adianta alguém simplesmente criar uma tecnologia sem haver uma lei associada a isso. Assim como não adianta os gestores aplicarem a lei, até porque, a lei nunca vai acompanhar a tecnologia. É muito fácil cada um querer vender a sua parte da tecnologia e se isentar de suas responsabilidades. Todos da indústria são os pais dessas ‘criança feia’ que é a pirataria”, argumentou.
Redução de preços e inovação para atrair quem consome conteúdo pirata
Do ponto de vista legal, tanto quem pirateia quanto quem consome o conteúdo pirata está cometendo uma infração, lembrou Danilo Almeida, da Nagra. “Se alguém pegar a lei e resolver ir no bit, por exemplo, quando os investigadores de polícia identificam uma operação pirata, seria possível buscar punições individuais. Mas o que a gente tem visto na indústria é que não há interesse em fazer isso. A opinião geral é que existe uma demanda ali. Se nós, como indústria, conseguíssemos chegar com um preço diferente, possivelmente aquele cara iria comprar ao invés de pagar para um pirata. O cara não me paga R$ 100,00, mas paga R$ 30,00 para o outro [pirata]. Será que se fizermos um grande esforço para cobrar R$ 40,00, ele não pagaria?”, questionou.
Fábio Damásio, da Singular CDN, lembrou que a pirataria só existe porque o conteúdo que o mercado produz e entrega é relevante. “A gente pode melhorar e diminuir a pirataria também com formas diferentes e inovações para entregar conteúdo, por exemplo, por meio de pequenas premiações aos assinantes”, concluiu.
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